domingo, 15 de fevereiro de 2009

Felicidade, sofrimento, enfim...

(a montanha personifica a busca cega e egoísta pela satisfação dos nossos desejos ...raiz do sofrimento ... a arvore personifica o "parar" a procura e sentir que a felicidade está bem perto ... dentro de nós!)

A procura torna-se cada vez mais incessante, mais intensa, mais infértil, mais vazia ... e daqui vesse a montanha longínqua .... a montanha que esconde atrás de si mesma a ilusão ... a ilusão de um sonho que se renova em cada olhar, em cada sorriso disfarçado ... aquilo que nos faz sofrer ...


A arvore... a cada momento abraçada pelo vento forte, por uma brisa ténue, pelo sol escaldante, por um frígido orvalho matinal, pela neve.... balança ao som de cada movimento que a envolve ... mantêm a sua presença, a sua imponência, serena e tranquila ... um sorriso não a comove, uma lágrima não a faz chorar ... não é indiferente ao sol nem negligencia o vento, que trás consigo a tempestade ... olha-os com um sorriso carinhoso, reconhece a sua natureza, sabe que o Sol e a Chuva fazem parte de si ... fazem parte de um caminho que a cada instante resolve trilhar ... mas o seu olhar sossegado, a expressão de um rosto plácido, não é permeável à chuva ... e o sol ... o sol um dia será chuva, por isso admira-o como se aquele sol fosse o ultimo suspiro da Lua ... sabe que a Lua o levará um dia ... e nesse dia a nossa arvore continuará imponente, livre, tranquila ... inabalável ...


O sonho não está por detrás da montanha ... está dentro de nós e chama-se arvore ... gostava um dia ser arvore ... Por tempos incontáveis e sem regresso, caminhei em direcção à montanha, e cada vez que a alcançava e atingia o seu pico, avistava ao longe uma nova montanha ... corajosamente sentia que a minha montanha seria aquela que o meu olhar avistava, quando os meus pés pisavam o cume da anterior ... como uma ilusão ... como um filme realizado para idiotas, que em qualquer parte do mundo, enche as salas de cinema ... assim fui andando ... vi flores de mil cores, lagos de monstros e fantasias, ricos a mendigar, mendigos a dar o que não têm, vi o sol a chorar e uma nuvem a sorrir, vi o mar e nunca entendi o que ele falava e ... quando chegava ao cume da montanha seguinte, o meu coração ganhava um novo fôlego ... um novo ar revitalizava um corpo cansado, com a mente adormentada pelo reflexo da ilusão, escondido atrás da montanha ... e ia ... mas já não vou ... repouso perto da arvore ...



Perdoem-me a frieza ... mas não existe a dita felicidade por detrás da montanha, mas sim a ilusão .... o sofrimento está em pensar incansavelmente que na próxima montanha mora a felicidade ... mas não mora ... a felicidade está terrivelmente tão próxima que nem a conseguimos ver ... talvez dentro de nós, talvez na forma como percepcionamos as coisas, talvez no fundo de nós onde tudo é lúcido, límpido e resplandecente ...


... estou com o meu coração desalinhado com essa montanha ... nunca fui feliz quando a procurei ... sonho ser arvore ... sonho sorrir para o vento frio, que se enraíza nos ossos e nos faz terlintar o coração ... sinto o olho franzido do vizinho que procura a montanha e não entende porquê que eu quero ser arvore ... um dos nossos atributos que nos faz firmar contrato permanente com o sofrimento é a falta de abertura ... de pensamentos, de sentimentos ... um modo de sentir egocêntrico ... centrado em quem nos faz sofrer desde sempre ... a montanha ...


Ao nos abrirmos para a diversidade de sentimentos, de pensamentos e emoções deixamos que uma liberdade, intrínseca a nós, surja à porta de um reino anárquico que impera dentro de nós ... um reino que nos ensinou a sentir que o nosso limite somos nós próprios ... que nos ensinou que para lá de nós mesmos, nada mais existe ... nos ensinou o egoísmo , o orgulho ... nos ensinou que a felicidade é algo estanque ... que nasce e morre com os aparecimento e esmorecimento dos nossos desejos ... nos disse qual a melhor maneira de sofrer ... e sofremos naturalmente ... é difícil de integrar em nós que não existe diferença entre a nossa felicidade e a dos outros ... todos somos interdependentes ... a nossa felicidade depende dos outros ... alguma vez nos lembramos da criança que não dormiu obrigada a fabricar o casaco que hoje, orgulhosos, passeamos na rua e que o nosso dinheiro pagou ? ... a nossa felicidade nunca pagará o seu sofrimento ... a felicidade é algo global e que só poderá ser vista com todos os seus predicados, quando não exista diferença entre a nossa e a dos outros ... hoje experimentamos uma pretensa felicidade que ironicamente não é mais que sofrimento ... tudo porque pensamos partir de nós rumo à felicidade ...


Apesar de tudo ... acredito que todos tenhamos um ser bondoso escondido por detrás das nossas "emoções negativas"... que são como véus que nos impedem de ver o quão esplendorosos somos na nossa profundidade ... os véus que nos fazem cair na ignorância ... a ignorância de percepcionar o mundo diferente da realidade ... imaginemos que a uns metros de nós está uma corda, mas nós vemos uma cobra ... reagimos a essa ilusão ... cogitamos que a cobra nos vai atacar ... que vamos ficar perigosamente doentes, que talvez morramos, que os nossos filhos vão ficar desamparados, que os nossos desejos vão ficar por realizar ... engrandecemos a dor pensando o quanto somos infelizes e azarentos por uma fatalidade que só nos acontece a nós ... egoistamente pensamos que somos os únicos do mundo em sofrimento ... caímos ... deixamos que uma lágrima humedeça um rosto que só quer sorrir ... mais tarde, com sorte, esfregamos os olhos e boquiabertos, atónitos ... olhamos melhor e vemos uma corda ... mas já não adianta pois já sofremos e fizemos sofrer os outros ... esta ignorância é o diário da nossa vida ... tudo porque possuímos uma mente inundada de pensamentos, intranquila ... uma mente confusa que nos impede de ver a corda e não sofrer ... a discrepância entre aquilo que percepcionamos e a realidade é a fresta por onde o sofrimento se infiltra ... entre a nossa visão da cobra e a realidade da corda está à espreita o sofrimento ... pronto para que o contra-regra o mande entrar no teatro da nossa vida ... com mais tranquilidade e lucidez podemos começar a controlar o contra-regra ... podemos ultrapassar a cegueira ... para que um dia, o sofrimento se sente nos bastidores, sem esperança que o contra-regra o chame ... podemos ver hoje a cobra e sofrer ... esse é o ponto de partida ... mas amanha podemo-nos esfregar os olhos para que vejamos a corda e não soframos ...


Voltando à felicidade ... ou melhor, ao sofrimento ... de facto, É VERDADE, o sofrimento EXISTE!! ... e sempre existirá ... por mais que o combatámos, que mais que lutemos, ele seguirá o nosso rasto, franzirá o olho a cada movimento nosso, esconder-se-á por detrás da nossa sombra, sem perder o minimo folego. A tal felicidade, da forma que é sentida não é mais do que um leito, onde descansamos, onde acordamos a chorar .. tudo porque pensamos que a busca incessante pela satisfação dos nossos desejos é a melhor estratégia para sermos felizes ... ora quando satisfazemos um desejo .... nasce uma nova insatisfação ... um novo desejo ... parece que a felicidade foge a sete pés de nós ... quase sempre ... uma vida inteira ...


De facto, até a forma como vivemos a "felicidade" é sofrimento ... vivemo-la numa continua agitação, precipitando-a a cada momento ... esvaziando a sensação de viver serenamente cada um dos seus momentos ... como se o minuto seguinte não existisse ... dominados pelo medo que tudo acabe ...


Tudo porque não paramos ... tudo porque o mundo passa pela arvore e não a vê ... não vê a sua tranquilidade ... a arvore que está estranhamente dentro dele ... tão perto da felicidade ..

Perdi-me em tantas palavras ... já escrevi demais ... já fui insensato demais ... ando hà anos a fio .. como a minha mãe diz "na lua" .. atento a tudo isto ... reconhendo aqui e ali alguma lucidez ... cada vez mais traquilidade ... mais e mais serenidade ... apesar de tudo sempre ainda muito longe da arvore ...

2 comentários:

CCP disse...

conhecer a nós próprios é difícil... quanto mais os outros... e sei que me vais perdoar o atrevimento ... mas sinceramente acho que já foste árvore mas por tempestade de sentimentos que se abateram sobre essa árvore foste levado... impulsionado a procurar de novo uma montanha... e como tu dizes e cito "... não existe a dita felicidade por detrás da montanha, mas sim a ilusão .... "

Anónimo disse...

"Querer libertar-se do sonho é em si mesmo um sonho."
Bassui Tokusho